Na hipótese, a doação foi formalizada por meio de um documento impróprio, em que o doador retirou-se de uma sociedade limitada e declarou "nada ter a receber dela ou dos seus sócios, pelo que dá a todos eles plena, geral e irrevogável quitação", não tendo constado desse documento a cláusula resolutiva invocada.
Optou o doador por deixar a empresa e, no mesmo instrumento, formalizar o ato de doação de sua participação societária para o seu filho, que passou a integrar a aludida sociedade limitada na proporção do capital social doado.
Como é sabido, a doação é um negócio jurídico benéfico, e como tal, de acordo com o disposto no art. 114 do Código Civil, deve ser objeto de interpretação restritiva.
Postos tais parâmetros, extrai-se, em primeiro lugar, que a doação formalizada em um instrumento de alteração de contrato social não corresponde à prática costumeira, haja vista a lei exigir a escrituração pública ou um documento particular, em regra, típico, com finalidade específica.
Da mesma forma, não é usual a cisão de um contrato em duas partes: uma escrita e outra verbal. Mais do que isso: não é possível que um contrato seja formalizado, ao mesmo tempo, de forma escrita e, de outra, de forma oral; menos ainda, por tratar-se de um encontro de vontades, se os pólos, nas duas frações do ajuste, não forem rigorosamente as mesmas.
Assim, claramente o que se observa é a existência de um ajuste formal, escrito, que reconhece a doação e oficializa a alteração societária; e outro, feito de forma verbal, que vincula apenas o filho donatário, que, com ele, segundo testemunhas, teria aquiescido de forma individual e apartada.
Fixada, portanto, a moldura fática, resta definir o tratamento jurídico a ser aplicado aos fatos comprovados no processo, isto é, o estabelecimento das consequências jurídicas que devem ser aplicadas ao caso concreto.
Inicialmente, deve ser considerado que, se a vontade real do doador era distinta daquela manifestada no instrumento de modificação societária, que também instrumentalizou a doação, é evidente a sua reserva mental. E ainda mais relevante: se as testemunhas comprovam, como, de fato, comprovaram, que o filho donatário sabia que a verdadeira intenção do pai era a de reaver a sua participação societária em momento futuro, pode-se concluir pela existência de claro indício de negócio simulado (art. 167, §1º, II, do Código Civil), pois os demais sócios não foram informados do verdadeiro propósito da transação entabulada, na surdina, apenas entre doador e donatário (pai e filho).
De acordo com o inciso V do art. 1.071 do Código Civil, a modificação do contrato social depende da deliberação dos sócios, que, nos termos do art. 1.076, I, deve ser tomada pelos votos correspondentes a, no mínimo, três quartos do capital social.
Logo, não tendo o doador retirante da sociedade manifestado de forma aberta e formal a sua verdadeira intenção no momento em que formalizou o negócio, não é possível afirmar se ele teria obtido a concordância dos demais sócios em relação àquela alteração societária, caso fosse revelado o real propósito do doador de reaver a sua condição de sócio após o implemento da condição por ele instituída, de forma verbal, unilateral e reservada, e aceita apenas pelo filho beneficiário, que o substituiu na sociedade.
Nesse passo, oportuno ponderar que, embora não se admita - exceto para bens móveis de pequena monta -, que as cláusulas de um contrato de doação possam ser constituídas verbalmente, é possível, na esteira do art. 446, I, do CPC/2015, a utilização da prova testemunhal para comprovar a divergência entre a vontade real e a vontade declarada nos contratos simulados.
Portanto, não pairam dúvidas acerca da existência da combinação entre pai e filho (doador e donatário), mas não é possível o reconhecimento de que o arranjo estabelecido entre os dois tenha o condão de atingir terceiros, que dele não participaram.
Evidentemente, em que pese a existência de comprovação dos ajustes entabulados entre as diferentes partes, não é possível submeter aos demais sócios uma condição inserida num acordo verbal do qual eles não fizeram parte. Como se sabe, o contrato faz lei entre as partes, mas não produz efeitos na esfera juridicamente protegida de terceiros que não tomaram parte na relação jurídica de direito material.
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